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28 de março de 2021 | 

Serafina Corrêa

FRIGORÍFICO IDEAL S/A

Por: Solange Maria Soccol


1922 – Franciosi & Nardi e Cia Ltda- início
1927 – Frigorífico Ítalo Brasileiro- mudanças de 4 sócios e admissão de outros
1929 – o próspero Frigorífico Soccol, Seganfredo e Cia de Dois Lajeados, compra e logo se desfaz por terem ‘ comprado gato por lebre’ como afirmava Luiz Soccol, filho de Pietro. O comprador era Miguel Soccol, cujo nome foi usado de 1932 a 1936, no serafinense ‘Frigorífico Ideal de Miguel Soccol’. Em 27 de março de 1936, o frigorífico foi totalmente destruído por um incêndio e Miguel Soccol, empreendedor de sabedoria e simplicidade, solicitou através de uma carta endereçada ao Diretor Geral de Serviços de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Rio de Janeiro, dois anos para a reconstrução e formou nova sociedade. Passou a ser de alvenaria e não mais de madeira.
1938 – Frigorífico Ideal SA
1988 – Sulina Alimentos SA
1990 – Perdigão Agro-Industrial SA
2009 – Perdigão Sa
Julho de 2009 – Brasil Foods SA
2013 – Brf SA

Por: Solange Maria Soccol


Em meio a tantas mudanças e transformações, não sempre velozes, mas profundas, deixo a alma tocar o tempo para juntos visitarmos o passado, quase século, e consequentemente, o empreendimento que nos eleva muito acima, hoje, em uma positiva memória.
Honro, sem distinção, todo o operário que no tempo em que o apito da ‘fábrica’ era indiferente aos ritos e às estações da família, fez do seu trabalho compromisso por força de vontade e fé e assim nos ensinaram a história em uma visão que não mais será repetida, porque o ontem trabalhador, solidário e de colaboração recíproca, nos trouxe ao hoje, estruturado e organizado tecnologicamente.
Ouvindo as vozes da experiência e sabedoria, parece-me tocar os astros, porque é nessas horas modestas de ouvinte que se acendem as luzes do céu interior. É indispensável o conhecimento do que era tão simples e no entanto superior a tudo que faz coincidir em nós, o peso e a medida, o julgamento e a coincidência da convivência com cada uma das pessoas lembradas. Agradeço à Vânia Menegatti Marini e seu cunhado, Nino (Bortolo) Marini, por todas as constelações vivenciadas e consentidas. Obrigada, Tio Miguel Soccol! “ Se fosse o Miguel até hoje, seria o dobro do que é agora, porque esse era um grande e responsável empreendedor. Homem que nos dizia: “Porco bòia, guadagnì i soldi parché laoré, sinó, no… “ (Vania).
O cotidiano ambiente dos trabalhadores (na época 230/240), era muito bom, espécie de família em suas alianças, dificuldades e confrontos. Cada setor com seu grupo unido ao outro, como uma grande, cúmplice e entusiasta família. Usavam tamancos com cepo (sola) de madeira e por cima o couro, difícil andar, porém todos buscavam no lixo, as correias jogadas, para assim, com tachinhas, grudarem nos tamancos, evitando que eles resvalassem no piso escorregadio da fábrica.
A mangueira onde ficavam os bois trazidos pelos famosos tropeiros João Pedro Lorena, Antonio Alban e Nestor da Silva, ficava logo abaixo do cemitério. Lembro com frequência das boiadas que chegavam na esquina do Zanini e eu, criança, corria para dentro de casa, com medo de que algum boi desgarrasse. Era emocionante assistir da janela ‘os homens gigantes’ que conduziam aos gritos de ‘ Eia, boi!’ a boiada que seria depois sacrificada após percorrer o corredor e levar uma martelada certeira na cabeça. Os suínos eram mortos com a faca, no cansaço da conquista e a conta de subtrair o número de abates, um a um, centenas, dia após dia. Tanto os bois como os suínos eram pendurados em um guincho, onde dois puxavam e tiravam o couro, a paletas, costelas e assim, em seguida, com fila de operários esperando a sua vez, os animais iam até serem trabalhados pedaço a pedaço, quase fibra por fibra.
Não esquecendo o ‘quebra-gelo’, não sei o porquê do nome, mas era o caminhão comprado já usado, que depois perdeu as portas, e seu motorista, buscador de lenhas em toras, João Vaz.
Um grupo de 22 pessoas trabalhava na produção da banha, latas de 20 e de 2 kg, com máquinas onde enrolavam as folhas de lata e depois costuravam as mesmas usando os pés nos pedais: essa era a parte da funilaria até a refinaria.
Todos os anos, no dia 1º de maio, dia do Trabalhador, era realizado um grande churrasco na parte que agora está fechada, mas que antes formava uma espécie de túnel. As mesas longas, com bancas e as famílias inteiras, após a Santa Missa pelo dia tão especial. Nossa Senhora do Rosário chegava às 18h do dia anterior e permanecia por 24h. Indo após para outra empresa ou fábrica que quisesse realizar a Santa Missa.
A enfermeira Ieda Pasqualotto era o socorro para os acidentes, analisando se era necessário hospital para pontos ou se era simples curativo que ela mesma fazia. Nenhuma proteção a não ser a correia, acima mencionada, criada pela inteligência de livre criação dos operários.
De manhã, às 07h, o apito da fábrica chamava e a maioria trabalhava até bem tarde da noite. No setor da refinaria existiam oito tanques, 4 mil kg de banha cada, e esses precisavam estar limpos para o dia seguinte, quando já iniciava a nova matança. Nino Marini ia trabalhar às 05h da manhã, com café reforçado, tinha uma hora de pausa para almoço, e trabalhava até a 1 ou 2h da madrugada. O sono era esquecido pelo compromisso e responsabilidade. Na época eram produzidas 900 caixas com 30kg cada, por dia.
Seria necessário dez vezes morrer para dez vezes renascer e poder contar todas as histórias, detalhes antes desapercebidos, rostos esquecidos, gritar aos jovens de hoje por respeito aos pioneiros, das dificuldades nunca ausentes da vida.
A força inesperada e negra se aproximou mais uma vez da ‘fábrica’ em 1956. Todos trabalhavam e o fogo teve início no fumeiro (primeiro andar, no segundo ficavam os embutidos para a defumação). O fogo foi como se explodisse pra cima e rapidamente se alastrou. Os empregados saíram correndo de início até chegarem fora, pedindo socorro, mas logo chegando em frente e fora da fábrica em fogo já tomada, se reuniram e fizeram um açude no arroio Feijão Cru, e em fila, passando os baldes de mão em mão, tentavam apagar o sinistro que ia destruindo o seu ganha pão. A solidariedade do povo serafinense se manifestou e todos corriam para formar essas filas que ficaram até chegar os bombeiros de Passo Fundo, raro entusiasmo, pois já era tarde demais. Os empregados ficaram até o dia seguinte buscando a água abençoada com suas filas inclinadas entre pegar e repassar os baldes e a oração.
No dia seguinte, Afonso Martinelli declarava não estar disposto a reconstruir e Miguel Soccol respondeu: “E femo che con tuti nostri impiegati? Tuta sta gente che ga bisogno de laoro par mantegnerse?” (E vamos fazer o que com todos os nossos empregados? Toda esta gente que precisa do trabalho para manter-se?).
Todos os empregados ali, alguns tendo dormido algumas horas, outros não, se juntaram e, em silêncio, começaram a juntar os tijolos que poderiam ser reutilizados, as mesas recolocadas, todos os instrumentos de trabalho salvos a parte e assim, Miguel Soccol deu ordem para a reconstrução. Ele era, como disse no começo, de sabedoria e simplicidade, entendia de tudo o que significava família, do que acontecia e do que seria necessário para que tudo pudesse ser ainda melhor. (Era sua segunda experiência com incêndio). A evolução e revolução econômica do nosso município foi decidida nesse dia, para ser em seguida competitiva e completa. Miguel Soccol não só reconstruiu o Frigorífico Ideal Sa, como o fez bem maior, arrumando inclusive o chaminé que estava meio destruída.
Ninguém amaldiçoou o flagelo e ninguém deixou o calendário assinalado como uma catástrofe que desestrutura um tempo.
Miguel Soccol, com o respeito, até hoje, dos seus empregados (me surpreendi ouvindo de amor, virtudes, sabedoria, paciência, inteligência, dignidade, capacidade, grandiosidade, coragem, companheirismo, humanismo…) foi o que todos os grandes empreendedores devem ser: GRANDE!

Queria que minhas palavras escritas chegassem sussurradas, suaves e doces no céu, com som de arco-íris. Porque todas as cores homenageiam quem viveu assim tão intensamente e inocente no que se refere a maldades. Sei que doava felicidade e segurança. As ‘casinhas de Itapuca’, assim conhecidas as onze casas construídas em frente ao cemitério, eram emprestadas aos empregados pelo Frigorífico Ideal Sa. (com um aluguel simbólico). As sete casas da Avenida Arthur Oscar. Por que sete? Uma para cada filho, ele também emprestava ou cobrava aluguel simbólico. Foram alguns de seus moradores: Luiz Bianchi, Alcindo Dall’ Igna, Deonísio Bollis, Claudir Marini, …. Faresin, Aquelino Guisolfi, Volmir Zanchet e Piaia (que pouco faz, completou 90 anos de idade, mas não recordo o primeiro nome).

Em frente ao Frigorífico, permanecerá na memória o nome da Rua Apertada, Rua José Veríssimo, onde quase todos eram empregados também do Frigorífico.

A meu padrinho, que consentiu a todos os operários a bênção de, com os seus salários, adquirirem casa própria, prometo agora, nunca tirar o nome Miguel Soccol/herói, da minha alma. Porque ouvindo as pessoas e lembrando o quanto era definido como nobre e bom, aprendi que devo, na fé, nunca perder o amor e a esperança. Que mesmo quando tudo parece desmoronar devemos permanecer autênticos e moderados. Mais que tudo aprendi, escrevendo sobre esse grande ser, que uma grande luz ilumina também aos ofuscados e que tudo é família quando se está no alto e se usa o que grita mais forte dentro de cada um de nós. A Bênção, Padrinho!